Pessoas com deficiência encontram dificuldades para entrar no mercado de trabalho

Segundo pesquisa inédita, a região tem 109 mil pessoas com deficiência aptas para trabalhar, mas apenas 20% das vagas reservadas a elas estão preenchidas

Recentemente o Jornal Correio Popular publicou uma matéria falando sobre a dificuldade que as pessoas com deficiência encontram para entrar no mercado de trabalho.


Para saber mais acesse: https://correio.rac.com.br/campinasermc/apesar-da-lei-de-cotas-pcds-encontram-dificuldades-para-entrar-no-mercado-de-trabalho-1.1442033?amp=1


A Região Metropolitana de Campinas (RMC) conta com um contingente de 109.819 pessoas com deficiência na faixa etária dos 16 aos 64 anos, que estão aptas para serem absorvidas pelo mercado de trabalho. O dado, inédito, foi apurado por pesquisa desenvolvida pelo recém inaugurado Observatório do Trabalho e Pessoa com Deficiência, vinculado ao Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ainda segundo o estudo, a RMC tem uma população total de 215.450 PcDs, sendo 137.138 mulheres e 78.312 homens. 

De acordo com Guirlanda Benevides, pesquisadora do Observatório, embora seja significativa, a força de trabalho composta pelas pessoas com deficiência não é absorvida pelas empresas da região, a despeito da existência, desde 1991, da chamada Lei de Cotas, que assegura a inserção desse segmento no mercado de trabalho. Segundo ela, apenas 20% das vagas reservadas aos PcDs nas organizações estão ocupadas, restando outras 80% a serem preenchidas. "As empresas alegam que não existe pessoal capacitado para ocupar os postos definidos pela Lei de Cotas e, por isso, não contratam. Entretanto, temos uma população em número suficiente para ser contratada para essas posições, a considerar a quantidade de pessoas com deficiência na Região Metropolitana de Campinas", avalia.

O Observatório, acrescenta Guirlanda, é uma ferramenta digital interativa que gerará informações demográficas relacionadas às pessoas com deficiência e reabilitados no âmbito do Estado de São Paulo. Os dados estarão disponíveis para pesquisadores, agentes públicos e cidadãos interessados em se aprofundar na temática, podendo servir à formulação de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades desse público, notadamente as relativas às questões de trabalho. A pesquisa que traz novos dados sobre o contingente de PcDs na RMC resulta de um convênio celebrado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região.

A pesquisadora explica que o estudo utilizou informações estatísticas de diversas fontes, referentes aos anos de 2019 a 2022, incluindo registros administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pesquisas conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O apoio do MPT-15, esclarece, foi no sentido de entender de forma mais detalhada a trajetória do emprego formal para pessoas com deficiência em âmbito estadual, destacando a Lei de Cotas como mecanismo crucial de inclusão.

Na prática, segundo Guirlanda, a legislação, que determina que as empresas com 100 empregados ou mais reservem vagas para trabalhadores com deficiência, não é obedecida. "As organizações não a cumprem", afirma. A expectativa da pesquisadora é que as pesquisas a serem realizadas pelo Observatório ajudem a mudar o quadro atual e a ampliar a inclusão dos PcDs no mercado formal de trabalho.

CONTRATADOS

Lucas Lopes nasceu com paralisia cerebral e hoje, aos 27 anos, é advogado de uma empresa do setor de bebidas. Ele conta que, durante suas tentativas de encontrar trabalho, algumas pessoas lhe impuseram o estigma de que os PcDs não têm o direito de escolher como e onde querem trabalhar. E que, por isso, deveriam se adaptar às funções que a sociedade preconceituosa compreende como adequadas a elas. "Existe o estigma de que as pessoas com deficiência só podem ocupar cargos operacionais que não exijam inteligência. A deficiência não pode definir qual tipo de emprego ocupar", diz Lopes.

Ele conta que, quando estava prestes a escolher sua profissão, a área de tecnologia lhe era imposta como melhor opção, pois poderia trabalhar sentado e em sua residência. Certa vez, na etapa de entrevista para a vaga em uma instituição financeira, o hoje advogado foi entrevistado por uma fisioterapeuta e não por um profissional ligado ao setor de gestão de pessoas.

Ele avalia que as empresas decidem pelo menor custo, evitando investir em projetos de acessibilidade, ou optam pela contratação de pessoas com deficiências que requeiram menor adaptação. Lopes relata, ainda, que certa vez foi aprovado em um concurso público para assumir uma vaga em uma instituição de Hortolândia, mas sua admissão foi negada pelo próprio órgão, que não possuía acessibilidade. "Foi transferido para mim o ônus de não existir acesso às instalações daquele órgão público", relembra o advogado, com indignação.

Depois de um acidente de carro, Beatriz Cunha perdeu a visão do olho esquerdo aos dois anos de idade. Conseguiu seu primeiro emprego pelo Projeto Jovem Aprendiz e hoje, aos 25 anos, atua como agente técnico-administrativo na biblioteca de uma escola de Campinas. Ela defende que, assim como ocorreu no seu caso, as empresas ofereçam oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência. "Somos capazes de exercer nosso trabalho de forma coerente com as nossas limitações", assegura Beatriz, que é formada em Direito e pretende se especializar para atuar na área criminal.

Para o presidente do Centro Cultural Louis Braille, Eduardo Francisco Jakubowski, apesar de as empresas serem, pela Lei de Cotas, obrigadas a contratar pessoas com deficiência, existe a falta de investimento para adaptar os locais de trabalho para receber esses profissionais. "As pessoas com deficiência precisam trabalhar com autonomia, não podem depender de outros para almoçar ou ir ao sanitário", diz Jakubowski. Ele ressalta que as organizações precisam se preparar para esse tipo específico de contratação, para evitar que os deficientes visuais, por exemplo, sofram algum acidente em portas ou gavetas abertas.

LEI DE COTAS

Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91) determina que empresas com 100 empregados ou mais reservem vagas para PcDs. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45 milhões de pessoas possuem algum tipo de deficiência no Brasil. Ainda segundo a legislação, as proporções para empregar pessoas com deficiência variam de acordo com a quantidade de funcionários. De 100 a 200 colaboradores, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%.

As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo. As multas para aqueles que descumprem a legislação podem chegar a R$ 228 mil. A medida também contempla pessoas reabilitadas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

PACOTE

O governo federal anunciou na terça-feira (8) que vai investir cerca de R$ 9 bilhões no Plano Viver Sem Limite II, voltado para à promoção dos direitos de pessoas com deficiência. O pacote será lançado no próximo dia 16, mas a cifra foi antecipada pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. "São mais de 100 ações indicadas e 22 estruturantes. Participam 30 ministérios. Embora seja uma ação coordenada e organizada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, é uma ação do governo federal", disse.

De acordo com o ministro, o plano contará com quatro eixos: gestão e participação social; enfrentamento ao capacitismo e à violência; acessibilidade e tecnologia assistiva; e promoção do direito à educação, à assistência social, à saúde e aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Ainda segundo Almeida, a elaboração do Plano Viver Sem Limite II contou com a participação da sociedade civil, por meio do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. "Em resumo, novembro guarda grandes surpresas, emoções. É um trabalho que envolveu muita gente, de dentro e de fora do ministério. É uma entrega grandiosa para o Brasil. Acho que uma das maiores coisas que o Ministério dos Direitos Humanos fez até então." 

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