Direito ao “Professor de Apoio

Direito ao “Professor de Apoio

Nos últimos meses, a problemática acerca da necessidade ou não de um professor de apoio para as crianças/adolescentes pertencentes ao processo inclusivo tem sido uma tônica amplamente discutida por famílias, educadores, gestores e defensores dos direitos individuais e coletivos. No caso dos autistas, a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) já previu a questão do “acompanhante especializado”. Veja o que diz o parágrafo único do artigo 3º:

Art. 3o São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado. (g.n.)

É importante ressaltar que a mesma lei, no § 2º do artigo 1º, dispõe que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais”. Dessa forma, vislumbra-se que o autista possui todos os direitos inerentes às pessoas com deficiência. Com relação ao professor de apoio, a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) já havia previsto a figura dos profissionais especializados nos seguintes termos:

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
(…)
III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

Posteriormente, em decorrência da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que deu ensejo ao Decreto nº 6.949/2009, ficou estabelecido no artigo 24, item 2, “c”, “d” e “e” que:

Artigo 24
Educação
(…) 2. Para a realização desse direito, os Estados-Partes assegurarão que:
(…)
c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas;
d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;
e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena. (g.n.)

Veja-se que o legislador já estava convencido da importância de um professor de apoio há tempos, dada a necessidade de inclusão de verdade. Grande parte dessas crianças não consegue aprender sem alguém ao seu lado lhe esclarecendo pormenorizadamente o que o professor regente está, de forma de difícil entendimento para o aluno com algum tipo de transtorno ou deficiência, explicando. Tem crianças ou adolescentes que precisam de uma explicação mais detalhada, com mais paciência e em um espaço de tempo maior que outros alunos sem deficiência. Essa necessidade não quer dizer que eles não possam aprender. Eles tão somente precisam de alguém que os auxiliem a absorver o conhecimento ali apresentando em sala de aula dada a dificuldade em acompanhar a turma.

Inclusão escolar é fazer com que essa criança ou adolescente com deficiência permaneça dentro da sala de aula, com os demais colegas, com o auxílio e recursos necessários à sua aprendizagem. No que pese o fato de existir legislação suficiente para dar embasamento jurídico ao direito de ter um professor de apoio, as pessoas com deficiência receberam da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Inclusão) mais um dispositivo que dispõe acerca do objeto em tela. O artigo 28 vem acompanhado de diversos incisos, dentre eles destaco:

IX – adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;
XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;
XVII – oferta de profissionais de apoio escolar;
§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações. (g.n.)

O Estatuto da Inclusão, chamando o professor de apoio pelo termo profissional de apoio escolar, veio confirmar o quanto é importante a presença dessa figura no sistema inclusivo de qualquer lugar. Trata-se de profissional necessário em toda sala de aula que contenha uma criança com deficiência, seja na rede pública ou privada.

No entanto, há de se deixar claro que não é qualquer criança ou adolescente autista que precisa de um professor de apoio. Há casos em que é dispensável ou mesmo divisível entre alunos de inclusão. Como já aventado no parágrafo único do artigo 3º da Lei do Autista, há de se comprovar a necessidade. Essa comprovação é mais fácil de ser alcançada quando falamos de crianças ou adolescentes com diagnóstico fechado. A família do autista deve ir ao neuropediatra e ao psicólogo/psicopedagogo que atendem o paciente e solicitar laudos (um de cada profissional) atestando quais são as atividades para as quais aquela criança ou adolescente necessita de acompanhamento especializado. Assim, estará claro se ele precisa de um “atendente pessoal” ou um “profissional de apoio escolar”. Há casos em que a crianças possui uma dificuldade de aprendizado reduzida a ponto de não ser necessária a presença de um professor de apoio.

Todos os casos são únicos e devem ser analisados sob a ótica da coerência e bom senso. Se a criança não consegue ir ao banheiro ou comer sozinha, evidentemente que precisa de alguém com ela o tempo todo, pois não possui a funcionalidade necessária para auferir “independência” que o preserve de acidentes. Essa criança não pode inclusive dividir um professor de apoio, pois um profissional não pode atender mais de uma ao mesmo tempo. Se dois necessitam, por exemplo, de uma explicação sobre determinado exercício de português que a professora regente passou em sala de aula, dificilmente o professor terá condições de fazê-lo no mesmo espaço de tempo, pois cada um tem um nível de compreensão, bem como de dificuldade de aprendizagem.

Sem esse profissional auxiliando o aluno que necessita de uma explicação especial ou de alguém que o acompanhe durante toda sua estadia na escola, a inclusão torna-se uma mentira. A escola diz que inclui e o aluno não aprende nada, apenas permanece em um ambiente que não o beneficia.

São muitos os assuntos relativos ao professor de apoio e falarei sobre esse profissional ímpar em textos futuros. Dificuldade para diagnósticos não fechados, divisão de professores, dificuldade na obtenção, profissionais não capacitados, inércia do poder público, ausência de apoio… São assuntos que discorrerei em breve.

*Tatiana Takeda é mãe de uma criança autista, advogada, membro da Comissão de Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB/GO, professora universitária, servidora pública, mestre e especialista em Direito e especializanda em Autismo.